sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Tentativa frustrada

     O dia estava sereno, os dois falavam baixo, mas a voz deles ainda era mais alta que o volume da televisão, o vento soprava relativamente forte do lado de fora, mas eles pareciam não ligar nem um pouco pra isso. Depois de algumas horas de conversa, o rapaz lentamente adormeceu. A moça então, pediu a mãe dele que lhe ajudasse a ajeitá-lo no sofá e assim fez, logo em seguida, empilhou os livros e os papéis ao lado da poltrona branca. Foi para a cozinha onde ela e a mãe dele tiveram uma conversa rápida. Saiu pela porta dos fundos que dava para o jardim, executou seu serviço, e então subiu rapidamente as escadas e se trancou no quarto do rapaz pelo lado de dentro.
Na maçaneta da porta ficaram os rastros do surto de raiva que muito provavelmente lhe traria conseqüências por longos anos...

     Atordoado, o rapaz acordou e estranhou o fato de estar muito bem acomodado no sofá. Procurou um relógio, mas não encontrou nada, se levantou e puxou a cortina, o sol já estava se pondo...
Olhou os livros empilhados agora em cima da poltrona, um papel amassado, com letras esparsas que pareciam ter sido escritas em meio a lágrimas diziam: "Acho que pode ser tarde demais". Ainda confuso, deixou o papel no lugar onde estava e ao se virar viu sua mãe, o rosto estava com feições duras, na mão segurava um pacote transparente com um vidro de soro fisiológico, bolotas de algodão brancas, e mais alguns aparatos para curativos. Coçou a barba rala sem entender e perguntou o que havia acontecido
- Suba - disse num tom de amor maternal
- O que foi? O que aconteceu? - Disse de forma pausada e calma
- Acho que não preciso pedir pra não fazer nenhuma besteira, confio em você - Entregou-lhe o pacote com as coisas e uma chave.

     Sem perguntar nada ele subiu os degraus lentamente, tentando lembrar o que havia acontecido. Aos poucos, trechos de imagens passavam em sua cabeça como em um filme. Sentia-se frustrado, ferido, e ao mesmo tempo preocupado e amedrontado.

     Viu um pouco de terra no chão próximo à porta e continuou sem entender absolutamente nada, fechou os olhos enquanto virava a chave e derrepente compreendeu tudo, correu em direção a cama, porém, procurou não fazer barulho. Ela estava sentada, com a coluna apoiada na cabeceira, olhando pela grande janela de vidro, as gotas pequenas da chuva fina que escorriam lentamente...

- O que você fez menina? - Perguntou apreensivo
- Dormi. - Respondeu sem olhar para ele
- Posso, é... Me... sentar?
- Claro - disse rindo: - Finja que o quarto é seu - Disse ainda sem olhar

Colocou o pacote de curativos em uma ponta da cama, e sentou-se ao lado, com muita cautela para não mover o colchão.

- Você está bem?
- Não sei - respondeu indiferentemente
- Você ainda não me disse o que fez, embora eu tenha alguma idéia
- Disse sim, eu dormi.
- Ah é? E sonhou? - falou como se conversasse com uma criança
- Sim.
- E como foi o sonho?
- Bonito.
- Pode olhar para mim, por favor?
- Posso...
- Então porque não o faz?
- Não tenho vontade

Ele levantou-se, ajoelhou-se diante dela, e tocou seu ombro, ela virou sorrindo insanamente.

- Você tem toda a razão - Ela disse com lágrimas nos olhos
- Sobre o que? - Perguntou apreensivo
- O pôr do sol aqui é lindo.
- Posso ver suas mãos?

O silêncio permaneceu por alguns segundos, rompido por passos na escada, ele levantou-se e trancou a porta, voltou a ajoelhar-se diante dela.

- Posso... Por... Por favor, ver suas mãos?
- Por que não - Esticou os braços, ele olhou abismado, abaixou a cabeça, pegou algumas bolotas de algodão e soro e começou a fazer o curativo.
- Andou brincando com alguma almofada de alfinetes é? - Disse rindo
- Não não, me feri nas suas ironias, seu imbecil - Disse sorrindo
- Pode me dizer o que realmente aconteceu? – Perguntou olhando-a diretamente nos olhos
- Só destruí aquele canteiro de rosas vermelhas do jardim. – Respondeu indiferente
- Posso saber por quê?
- Não gostei das flores, a cor delas dói. Me lembra aquelas flores que você me deu mês passado
- Não me admira que se pareçam, são as mesmas. – Respondeu um pouco irritado... Ela deu um longo suspiro, voltou a olhar a janela, mais uns dois minutos se passaram em um longo e torturante silêncio.

- Sua mãe não se chateou, ela queria me dar uma faca pra acabar com tudo de uma vez.
- Sorte sua, até semana passada aquele canteiro era o preferido dela.
- Ela disse que dá muito trabalho, não ia querer ninguém perdendo tempo regando aquilo.
- E seu sonho foi mesmo bonito?
- Foi... Descobri tanta coisa...

Neste momento ele terminava o curativo da mão direita, dava um beijo de leve nela, e se sentava ao lado da garota que recostava a cabeça em seu peito.

- Me conte tudo - Disse cheio de afetividade
- Foi estranho... sabe? No sonho eu olhava no espelho, eu vi que meus olhos eram bonitos.
- E realmente são muito lindos.
- E quando o sol batia no meu rosto, eles ficavam um pouco mais claros...
- Menos confusos? - Ele disse tentando compreender
- Exatamente isso. - Disse se desencostando do seu peito para fitá-lo : Já teve um sonho assim?
- Não - Ele respondeu triste - Mas gosto de ver seus olhos.

A garota voltou a colocar a cabeça no peito dele, confusa. Mas queria aproveitar seus doces segundos de paz. Ele se virou, olhou-a nos olhos, deu-lhe um beijo na testa e disse:

- Eu gosto muito de seus olhos... Mas eles eram ainda mais bonitos quando você enxergava...