quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Começo e fim

Talvez há dois dias atrás ainda existisse alguma esperança...

Já cansada do clima eterno de despedidas, e conformada com o fato de que seu lar era o caminho entre uma cidade e outra, pegou a mala verde pela alça, e saiu em passos lentos, os olhos fixados em algo distante. Serena, esperava qualquer tipo de intervenção.
Como seria natural em tal situação, não demorou muito para que outras convidadas chegassem, e no início eram calmas, debulhavam sua expressão em um sorriso sincero de linhas muito finas, e escorriam pela pele excessivamente pálida, lugar de onde as cores e a saúde já haviam partido a muito tempo.
Não demorou muito para que o sorriso se fosse também. A boca, pequena, séria, se contorcia para não deixar sair nenhuma súplica. Ela já havia compreendido que a dor da saudade era um mal necessário e que logo mais seria curado.
Sentiu uma pontada muito forte na cabeça, que a fez parar. Colocou a mala ao lado dos pés, e baixou a cabeça, sentindo a despedida inevitável cada vez mais próxima. Procurou fugir, mas os pés já não a obedeciam. Neste momento, as ilustres convidadas pulavam exultantes de seus olhos, e escorriam trajadas de luto, tingidas pela maquiagem forte que usava.
De repente, seus olhos se fecharam, e ela não lembrou de mais nada.
Apenas imagens isoladas e que não faziam muito sentido vinham a sua mente...

O vestido longo e branco, as conversas, as discussões, as músicas escutadas e dançadas juntas, as cartas trocadas, aquelas que deveriam ser destruídas, tudo o que ela havia aprendido e ensinado...

Quando abriu os olhos, ainda não conseguia enxergar as coisas muito bem, mas a sensação desagradável foi passando ao longo de alguns minutos.

Acima de sua cabeça só via uma luz branca muito forte, e ao se virar, se deu conta de que estava em uma maca.

- Tudo bem? Já se sente melhor?- Perguntou afetuoso
- Não - Respondeu com a garganta entrecortada por suspiros e lágrimas - Eu disse que morreria de saudades. - Completou com um doce sorriso.
- Você é doida... - Respondeu também sorrindo e balançando a cabeça - Você conseguiu trazer as coisas que eu te pedi? - Perguntou receoso de estar exigindo dela mais do que deveria.
- Sim, está ali na mala - Disse se levantando e tentando sentar rápido demais, logo em seguida, caiu deitada novamente na maca - Nossa... Ai... O que aconteceu com minha cabeça? - Disse sentindo ainda um pouco de tontura
- Você desmaiou, esqueceu?- Disse olhando-a intensamente nos olhos
- Se não sabia como poderia esquecer? - Respondeu retribuindo o olhar
- Deixa, a mala está aqui, e eu também tenho que ir logo... Antes que você faça alguma besteira e eu desista. - Disse sorrindo
- Ah sim, e você realmente acha que eu seria capaz de uma coisa dessas? Que fofo. Quer um doce também, criança? – Respondeu pausadamente, fazendo referência a brincadeiras antigas dos dois.
- De preferência de laranja, você lembra? - Disse rindo alto
- Claro que sim - Respondeu rindo muito também.
- Tchau - Disse afagando-lhe o ombro direito - Não esqueça de me escrever
- Tchau - Ela disse colocando a mão no bolso do casaco - Não esquece nunca disso aqui - Disse lhe entregando um papel amassado e dobrado várias vezes

Fitou-a com carinho, fez um aceno de despedida e saiu.
No lado de fora da enfermaria, abriu o papel. Era uma foto que já tinha bem uns 3 anos...  Na imagem, duas mãos entrelaçadas que dançavam. A ponta de um belo vestido branco que parecia ter sido bordado à mão, e ao fundo, alguns vultos que pareciam também dançar. As mãos, encaixadas, pareciam ter sido feitas uma para a outra.
Deixando escapar apenas duas lágrimas com sabor de nostalgia, picou o papel em pedaços e atirou-os no lixo.
Do lado de dentro da enfermaria, a moça desorientada, com uma mancha roxa na testa, repetia sussurrando:

- Mais sete anos... Será que eu sobrevivo?