sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Devaneios

Eu ainda sentia um pouco de dor, mas a ajuda de todas as pessoas próximas de mim fazia com que tudo parecesse mais leve. Devagar abri meus olhos e então percebi porque sentia frio. Chamei por uma enfermeira, e pedi que me trouxesse um cobertor. Esta, perguntou-me então se eu me sentia bem para receber visitas. Respondi com um sonoro ‘é claro’. Sabia que estava mal mas até então não havia parado para pensar no que minha aparência demonstrava. 
A visita, como nos últimos meses, era minha mãe, que parecia cada dia mais triste e cansada. Nunca foi meu intuito tornar a vida dela assim tão mórbida, no entanto, era realmente assim que ela estava. Decidi então, no que eu julguei ser um dos momentos de maior sensatez de toda minha vida, compartilhar com ela um desejo...

- Quero me casar

Ela assentiu sem dizer nada e saiu do quarto. Fiquei confusa com o que tivesse sido que ela houvesse pensado, e passei até mesmpo a questionar o que eu realmente havia dito, pois seu rosto não demostrou nenhuma emoção. Aquela altura, já sabíamos o desfecho supostamete trágico de minha história, ao menos era assim que os outros viam e julgavam: Tragédia... “Partir assim tão nova, sem ter realizado nenhum sonho...”

Eu, obviamente enxergava isso de uma maneira mais leve, e por mais assustador que pudesse parecer ao resto do mundo, estava realmente feliz, como aliás, nunca estive...
A mesma enfermeira voltou perguntando novamente se eu estava disposta a receceber visitas. Me olhava com pena e isso realmente já estava me irritando. A contragosto, respondi que sim e
pensei quem poderia ser. Minhas amigas, do tempo do colégio...

- E como você está? - Perguntava uma delas com um sorriso falso, afagando com muito cuidado meu ombro, numa tentativa atrapalhada de ser solidária
- Ah... enfim alguém que realmente se importe pergunta isso. Estou muito bem, muito feliz - respondi com todo o entusiasmo que ainda me restava apesar dos constantes aborrecimentos com a enfermeira. Dei o sorriso mais caloroso que pude.

Minha melhor amiga, chorava desde o momento em que entrou no quarto. Estava inconsolável e não conseguia disfarçar... Eu simplesmente não compreendia o motivo. Ficamos todas em silêncio por mais um tempo até que a mesma enfermeira veio perguntar-me se eu me sentia bem para receber visitas. Eu respondi novamente de cara fechada que sim, então ela pediu que as meninas saíssem para que minha mãe pudesse entrar. Veio com uma sacola grande, branca, dessas de lojas de vestidos caros. A princípio não entendi, depois colocou a caixa sobre minhas pernas....

-          Abre... Sei que você vai gostar. Infelizmente hoje não poderei ficar a tarde com você, tenho algumas coisas para fazer para seu irmão e também correr atrás da papelada. Chamei suas amigas. Sei que vai ficar bem... Creio que ele chegará logo, se não esta semana, ao menos ainda este mês... Você quer escrever a carta?
-          Se a senhora puder fazer isto por mim mãe...
-          Farei. Por favor descance. Adeus

Falava monotonamente, parecia exausta.
Deu-me um beijo no rosto e saiu.

Quando abri a caixa mal pude acreditar. Era, de fato o vestido de noiva mais lindo que eu ja tinha visto, e parecia ter feito sob medida para mim, como eu há muito sonhara.
A mesma enfermeira irritante se aproximou para perguntar novamente se eu estava em condições de receber visitas, desta vez eu não tinha nem como tentar ser antipática com ela, pedi que me levasse a um lugar onde pudesse me ajudar a me vestir, que depois, receberia quem ela quisesse. Os olhos praticamente escreviam em seu rosto o que ela pensava... Que eu parecia louca. Talvez há uns dois anos atrás esse tipo de pensamento ainda me preocupasse de alguma forma, mas agora... eu de fato não me importava.

Estava feliz demais para tentar revidar.

Apesar de muito bonito, era feito de um tecido leve e permitia que eu me movimentasse bem e ficasse na cama de maneira confortável, sem mais muitas preocupações

As meninas entraram novamente no quarto, e nenhuma delas conseguia disfarçar o fato de que acreditavam que eu havia enlouquecido de vez.
A minha alegria era tamanha, que até perguntei para minha melhor amiga:
Mas afinal de contas por que você está chorando? – disse sorrindo
Ela respondeu suspirando e tentando engolir o choro, com toda a sinceridade que sua tristeza não contida permitia:
-          Porque você vai morrer – Ela disse se demorando muito na última palavra.

Aquela frase me assustou a princípio, e fez com que eu me sentisse por alguns segundos estranha, mas em seguida, fiquei ainda mais feliz, processando a informação agora com um pouco mais de realismo
            O silêncio no quarto agora era mortal, e as outras garotas pareceram de repente se darem conta daquilo que tentavam não enxergar desde que haviam chegado ali, todas começaram a chorar da maneira mais silenciosa que podiam.

-          Sim, e vou me casar!! não é maravilhoso?! – respondi em seguida, quase saltando da cama

Todas me olharam incrédulas, e , como eu imaginava, me pediram explicações

-          Mas como isso? Por que? Por que isso agora? O que você está pensando? E com quem afinal de contas?
-          Bem, irei me casar, porque é um sonho que quero realizar. Nnca me importei muito com isso para ser bem sincera, mas agora escuto a todo momento todos dizendo que eu tenho pouco tempo, então , gostaria de fazer isto logo, antes que “meu tempo passe” como todo mundo diz.

Todas continuaram em silêncio

-          E eu não acho loucura nenhuma – disse isso dessa vez um pouco irritada – Sei que nenhuma de vocês disse isso diretamente, mas pelas caras de vocês imagino o que estão pensando.
-          Mas com quem? Com quem? Com quem? – disse minha melhor amiga, pressionando a cabeça com as duas mãos e andando nervosa de um lado para outro.
-          Com  um amigo meu – respondi sorrindo – Ele está viajando mas logo irá voltar. Minha mãe irá escrever uma carta para ele, e assim que receber ele irá voltar, virá e nós iremos nos casar. Espero que dê tempo – disse esta última frase pensando em quanto tempo ele levaria para receber a carta

As garotas perceberam que, apesar de estar feliz eu precisava descansar. Se despediram em um tom melancólico e aturdidas com aquela novidade. Em menos de cinco minutos eu me ví só. Logo adormeci. Minha melhor amiga, a quem eu carinhosamente chamarei de chorona, passou a me visitar sempre que podia, e sempre estávamos conversando, desta maneira eu me sentia logicamente mais feliz, com menos dor e o tempo parecia passar mais rápido.

Tres dias se passaram e então minha mãe me trouxe uma carta, nela, ele dizia que compreendia meus motivos e que em pouco tempo estaria chegando. Minha felicidade estava completa. A chorona então neste momento perguntou:

-          Faz muito tempo que vocês se gostam? Quer dizer... você nunca me falou sobre ele, vocês chegaram a namorar muito tempo antes de você ser internada?
-          Não, nós nunca nos gostamos – eu respondi rindo – Não ao menos desta maneira, sempre fomos somente bons amigos, e , acredito que continuaremos assim. Ele por ser um amigo tão especial vai me ajudar a realizar este desejo. Eu nunca estive tão feliz minha amiga, eu mal posso acreditar que vou me casar, e... morrer!

Neste momento ela começou a chorar de maneira silenciosa novamente. Ninguém conseguia entender que ao menos para mim, aquilo era sinônimo de alegria, nem eu em outro momento compreenderia. Eu só sabia o que sentia e digo com toda a sinceridade que nunca tive tanta paz.

Como dito na carta , dois dias depois ele chegou. Era uma linda manhã de quarta -feira, ensolarada, de céu azul. Eu já estava vestida, aguardando somente que ele chegasse. Estava muito bonito, em um terno alinhado, parecia um pouco triste, mas em seus olhos eu via que ele compreendia minha felicidade. Disse que eu estava radiante, e aquilo só me fez sorrir ainda mais, algumas lágrimas principiaram a cair, pela alegria que eu sentia, no entanto, as contive sem muito esforço. Temia que todos pensassem que eu chorava de tristeza, que eu transparecesse algo que não estava sentindo. Minha alegria era tamanha que eu tinha vontade de levantar da cama e dançar pelos corredores do hospital. Logo o juiz chegaria para realizar a cerimônia. Meu noivo então, pacientemente sentou-se ao meu lado, segurou a minha mão, e ficamos conversando, por alguns longos minutos. Cerca de meia hora havia se passado até que um médico entrou no quarto

-          Senhorita Leda?
-          Sim – respondi surpresa
-          Me desculpe, não tinha visto seu marido, Senhora Leda.
-          Não, não se desculpe – respondi rindo -  Ainda não nos casamos, mas o juiz chegará logo.
-          Ah, sim, tudo bem – Ele respondeu fingindo que estava entendendo – Pois bem senhorita Leda, quantos anos você tem?
-          Vinte – Respondi me ajeitando na cama, sem entender absolutamente nada
-          Então acredito que posso dar a notícia diretamente a você. Você, bem... como poderei dizer isto
-          Diga logo, por favor – Meu noivo disse um tanto quanto nervoso, apertando minha mão. Creio que ele temia que eu tivesse menos tempo do que imaginávamos
-          Devo lhe dizer que, bem. Você foi diagnosticada com uma doença que não possui, houve uma falha por parte do hospital, alguns exames foram trocados – Neste momento meu noivo sorria e eu estava chocada,  boquiaberta
-          Você deve estar com o sistema imunológico fragilizado por ter recebido um tratamento do qual não necessitava, mas, devo lhe dizer que ao contrário do que pensávamos, você não corre nenhum risco, e creio que em breve receberá alta.

No momento em que ele pronunciou essas ultimas palavras minha mãe entrou com minhas amigas e o juíz no quarto. E foi uma seção de abraços pra cá, risos pra lá e eu me sentia ainda mais perdida. Perguntaram me se eu não desejava adiar o casamento, para que pudéssemos fazer uma festa e assim celebrarmos também aquela grande e supostamente maravilhosa notícia. Eu simplesmente não conseguia pensar.

As coisas giravam lentamente ao meu redor e tentando me levantar da cama percebi que o chão havia sumido por debaixo dos meus pés. Assim que consegui me recuperar e me sentar na cama novamente comecei a chorar desesperada, soluçando ruidosamente. Somente alguns minutos depois, em meio a toda aquela euforia, perceberam que eu não estava bem,e perguntaram então o que eu sentia

-          Não sei, não é justo!! Não é justo! Não é isso o que eu quero para mim. Não quero mais casamento, não quero mais nada... – Disse afundando lentamente meu rosto no travesseiro enquanto eu tentava gritar e minha voz sumia, desejando com todas as forças do meu coração que aquela última notícia do médico fosse somente mais um um erro.

 Enquanto todo aquele desgosto tomava conta de mim as imagens que se passavam em minha cabeça pareciam em câmera lenta. Percebi que minha mãe conversava com o médico procurando saber quando eu poderia ir embora e ví que eu já estava me levantando da cama, saindo do quarto e andando em direção a porta do hospital. Descalça, com o vestido branco, falso noivo a tira colo e chorando como uma criança. Desta maneira, me afogando em minhas gotas de tristeza e em lamúrias simplesmente incompreensíveis ao resto do mundo, não demorou muito para que o despertador tocasse...



Créditos da imagem.